quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Blanche Monnier: O caso de rapto de Poitiers

A denúncia que tornou o caso público
No dia 23 de maio de 1901, o procurador geral de Paris recebeu uma carta anónima a denunciar que uma mulher estava a ser mantida em cativeiro numa casa localizada na rua 21 no bairro de classe alta de Poitiers, na capital francesa. A carta dizia:

"Monsieur Procurador-Geral: Tenho a honra de informá-lo de uma ocorrência de excepcional gravidade. Falo de uma solteirona que está presa na casa de Madame Monnier, ela passa fome e vive numa cama podre nos últimos 25 anos - numa palavra, na sua própria sujeira".

A carta surpreendeu ao procurador e aos polícias que iriam até ao local averiguar as denúncias feitas pelo documento, afinal as acusações recaiam da viúva Louise Monnier Demarconnay, que vivia com o seu filho Marcel Monnier. 

Os Monniers eram uma família de classe média alta. O marido de Louise, Charles-Émile Monnier, tinha sido um importante membro da faculdade de artes local, tendo ele morrido em 1882 (algumas fontes afirmam que a sua morte aconteceu em 1879). Marcel era licenciado em Direito Escolar, tendo sido vice presidente de Puget Théniers. No passado a família tinha ganho um prémio do Comité de boas Obras. Esse prémio era dado a cidadãos que se destacavam na sociedade apresentando grandes virtudes. A famílai era comporta também por Luz Blanche Monnier, uma jovem descrita como "alegre e brincalhona", dotada de um "belo cabelo e olhos grandes e brilhantes", mas a jovem tinha desaparecido do convívio social quando tinha apenas 25 anos de idade. 


A polícia descobre o cativeiro
A polícia chegou à casa, arrombaram a porta e encontraram Blanche Monnier num estado esquelético deitada numa cama, rodeada de fezes e restos de comida. O pequeno cómodo ficava no andar superior da residência da família Monnier. Blanche, que estava escondida debaixo das cobertas, estava nua e muito assustada, além de extremamente desnutrida - ela estava a pesar apenas 24,9 kg quando foi descoberta (algumas fontes afirmam que ela pesava 55 kg. Blanche estava então com 49 anos.


Um polícia que participou da ação descreveu a libertação de Blanche da seguinte maneira:

"Nós recebemos a ordem de arrombar a porta do quarto. Isso foi feito com grande dificuldade, o local possuía pesadas e antigas cortinas escuras, cobertas de pó. Para abrir as persianas das janelas, foi necessário remover as dobradiças. Assim que a luz entrou no ambiente, percebemos deitada numa cama, com a cabeça e o corpo cobertos por um coberto imundo e repulsivo, uma mulher identificada como a senhora Blanche Monnier. A infeliz mulher estava deitada completamente nua num colchão de palha podre. Ao seu redor formou-se uma espécie de crosta feita de excrementos, fragmentos de carne, legumes, peixe e pão podre. Vimos também conchas de ostras e insetos que atravessavam a cama da senhora Monnier O ar estava totalmente pestilento, o odor exalado pelo quarto era tão patente, que era impossível para nós ficar mais tempo para prosseguir com a nossa investigação".


A saúde de Blanche
A mulher apavorada foi envolvida rapidamente num cobertor e levada às pressas para o Hospital Hôtel-Dieu, em Paris, onde os médicos acreditaram que ela dificilmente sobreviveria. A mãe de Blanche foi encontrada sentada calmamente na sala de estar vestida com um roupão decorado com pequenos quadrados pretos e brancos. 
Hospital Hôtel-Dieu
Foto tirada logo que Blanche deu entrada no hospital.
No hospital as enfermeiras e médicos observaram que Blanche aparentava sentir grande prazer ao receber um banho e a respirar ar puro. Ela teria exclamado: "Como é belo". A equipa médica também notou que ela possuía uma grande aversão à luz, afinal de contas ela tinha passado mais de duas décadas trancada num cómodo escuro. 

Quando interrogado pela polícia o irmão de Blanche afirmou que ela era louca e muito agressiva, sendo muito difícil lidar com ela, por isso é que ela estaria numa situação tão insalubre, mas no hospital os médicos definiram o comportamento de Blanche como "calmo", eles em nenhum momento registaram qualquer ataque de raiva ou agressividade.


Os motivos do cárcere
Com o avanço das investigações por parte da polícia, o motivo que levou a reclusão de Blanche Monnier começou a vir à tona (embora alguns questionamentos permaneçam um mistério até aos dias de hoje).

Quando Blanche tinha mais ou menos 20 anos de idade, ela apaixonou-se por um advogado, um pouco mais velho que ela, sendo que ele teria um filho inclusive. A mãe de Blanche foi contrária ao romance, pois segundo a visão de Louise, Blancche sendo de uma família proeminente da socedade local, ela não poderia se relacionar com um homem mais velho, pobre e que já tinha um filho. Blanche teria se recusado a manter distância do seu grande amor, e planeava casar-se com ele mesmo que isso significasse contrariar a sua mãe.
Sabendo dos planos de Blanche, Louise acabou por trancar a própria filha numa sala no andar superior da casa, até que ela desistisse de se casar. Louise imaginava que a jovem fosse ceder em poucas semanas e concordar com as suas exigências.

O tempo passou lentamente para Blanche, que passou os próximos 24/25 anos trancada na sala, que se tornaria no seu quarto, e na sua cela.
O irmão de Blanche, Marcel, diria mais tarde que Blanche es tava louca, e nunca tentou escapar do quarto fechado. Mas de acordo com depoimentos no tribunal, várias testemunhas afirmaram que muitas vezes ouviram Blanche a gritar e pedir ajuda, algumas vezes mencionando palavras como "Polícia", "pena" e "liberdade". No dia 16 de agosto de 1892, uma testemunha ouviu Blanche gritar as seguintes palavras: "O que eu fiz para ser presa? Eu não mereço essa tortura horrível. Deus não deve existir, porque deixar as suas criaturas sofrerem desta forma? E porque ninguém vem em meu socorro!".

As testemunhas afirmaram saber do cárcere de Blanche, mas disseram não imaginar o estado em que a jovem estava a ser mantida.


Prisão e julgamento
A mãe de Blanche, Madame Monnier de 75 anos, foi presa no dia seguinte a descoberta do caso. Uma multidão agitada reuniu-se nas proximidades da prisão com gritos de ódio e vingança. Madame Monnier foi imediatamente colocada na enfermaria (ela sofria de doença cardíaca), onde ela inesperadamente morreu 15 dias depois. Dizia-se que as suas últimas palavras foram ditas aos médicos que entraram na sala momentos antes de ela morrer. Eles lembraram que ela exclamou: "Ah, a minha pobre Blanche!".

Marcel foi julgado sozinho, acusado de cúmplice da sua mãe. O julgamento foi iniciado no dia 7 de outubro de 1901, quatro dias depois, Marcel foi considerado culpado e condenado a 15 meses de prisão. O veredicto no dia 11 de outubro foi aplaudido na sala do tribunal. Na Praça do Palácio, a multidão mostrou a sua aprovação, gritando inúmeras ameaças hostis ao homem condenado. 
No dia 20 de novembro de 1901, Marcel recorreu da decisão, alegando que nunca tinha causado qualquer violência à irmã. Marcel afirmou várias vezes que a irmã era louca, e segundo ele, a sua intenção era internar a irmã num sanatório, porém a mãe achou degradante a condição, ainda mais para uma família de classe como eles eram, afinal naquela época instituições psiquiátricas eram verdadeiros depósitos de pessoas que "envergonhavam" os parentes ricos. 

Durante o julgamento do recurso foram apresentados laudos que afirmavam que Blanche sofria de transtornos mentais como: anorexia histérica, coprofilia e exibicionismo. O recurso foi aceite, e assim, Marcel ganhou a liberdade.
A decisão gerou grande discussão, pois parte da aceitação do recurso solicitado por Marcel deve-se ao laudo que afirmava que a sua irmã sofria de distúrbios mentais, porém tal análise foi feita após Blanche ter passado 24 anos presa num quarto. Esse período presa certamente debilitou a sua mente. A análise deveria ter sido realizada levando e conta a situação dela quando ela foi trancafiada pela família, como isso não era possível, tal alegação deveria ter sido desconsiderada.


O fim do sofrimento
Logo depois de ser libertada, e após receber os devidos cuidados médicos, Blanche recuperou peso, melhorando a sua condição física, mas ela nunca mais recobrou a sua sanidade. Luz Blanche Monnier acabou por falecer no hospital psiquiátrico de Blois nos anos de 1913, 12 anos depois de ter sido resgatada do seu cativeiro. 
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