Foi aos 16 anos que Anneliese começou a apresentar sérios problemas de comportamento. A família da jovem procurou ajuda médica - ela já tinha um histórico de distúrbios mentais e epilepsia -, mas nenhum tratamento resolveu a situação e, depois de algum tempo desenvolveu comportamento agressivo, rasgando roupas e até mesmo a defecar em público, Anneliese disse à sua família que estava possuída por espíritos demoníacos e implorou por ajuda.
Medo
A casa da família, a essa altura, já era conhecida na vizinhança como um lugar onde coisas estranhas aconteciam. Lá, Anneliese e os seus pais viviam numa rotina de medo e incerteza. Ainda que os médicos tivessem dito que a adolescente sofria transtornos psiquiátricos, a experiência da jovem parecia ir além do que qualquer diagnóstico médico era capaz de descrever.
Assustados, os pais da jovem conseguiram autorização com o bispo da cidade e, com a ajuda de um padre, passaram a realizar exorcismos consecutivos - foram 67 rituais em nove meses de tratamento religioso, de acordo com Elizabeth Day, que escreveu sobre o assunto no Telegraph. O processo resultou na morte de Anneliese, desnutrida e desidratada, pesando pouco mais de 30 kg, em 1976.
A desnutrição foi ocasionada graças aos inúmeros jejuns aos quais a mesma se submetia, na crença de que isso afastaria os demónios do seu corpo. Pelas condições da jovem no momento da sua morte, os seus pais e os padres responsáveis pelos exorcismos foram considerados culpados por homicídio negligente.
Em 1999 o pai de Anneliese morreu e, a partir de então, Anna Michel, mãe da jovem, morou na mesma casa, sozinha, a dormir num quarto que dava para o jardim onde está enterrada a filha. Sobre o túmulo, uma cruz, com a inscrição "descanse em paz".
Adaptação
O filme "O Exorcismo de Emily Rose" deixa de seguir o padrão de "O Exorcista" e, em vez de se focar nos momentos de possessão, acaba por voltar-se mais às consequências legais que envolveram os padres e os pais de Anneliese. Anna soube a respeito do lançamento do filme e, em declaração publicada no Telegraph em 2005, disse que não queria ver o filme nem saber nada a respeito.
Apesar de nunca ter gostado de falar a respeito da morte da filha, Anna disse que não se arrependeu das suas ações. Extremamente religiosa, Anna acredita que a filha precisava realmente passar pelos rituais de exorcismo: "eu sei que nós fizemos a coisa certa porque eu vi o sinal de Cristo nas mãos dela", revelou. Anna disse também que a filha morreu para salvar outras almas pecadoras.
Quando falou sobre a filha antes das sessões de exorcismo, Anna, que deu a entrevista já na casa dos 80 anos, disse que Anneliese era uma menina gentil, amável, doce e obediente, "mas quando ela estava possuída era uma coisa não natural, algo que não se pode explicar", completou a mãe ao descrever a filha.
Pecado
A família religiosa de Anneliese tinha um segredo: Anna teve uma filha antes do casamento, Martha. Devido a isso, Anna foi obrigada a casar-se usando um véu preto e prometeu à sua família que a filha "ilegítima" teria uma vida religiosa. Acontece que Martha morreu aos oito anos de idade, durante uma cirurgia para remover um tumor nos rins. O peso do pecado da mãe passou de uma filha para a outra.
Ao contrário das outras crianças da sua idade, Anneliese levava uma vida cheia de punições, para pagar os pecados da mãe. Vale salientar que não era Anna quem mandava que a filha se sacrificasse, mas a própria Anneliese fazia questão, por exemplo, de dormir num chão de pedra como sacrifício pelas almas pecadoras do mundo.
Histórico
As convulsões começaram em 1968, quando a menina tinha 17 anos. Diagnosticada com epilepsia, Anneliese começou a ter alucinações sempre que rezava. Em 1973 ela enfrentava um quadro grave de depressão, com pensamentos suicidas. Nessa mesma época ela começou a ouvir ordens de vozes que vinham da sua cabeça.
A situação ficou tão crítica que, em determinado momento, ela já estava a realizar 600 flexões de joelhos por dia, o que acabou por romper com alguns ligamentos da região. Além disso, ela arrastava-se debaixo da mesa e latia. Anneliese chegou a comer aranhas e morder a cabeça de um passarinho morto. Ela urinava no chão e lambia o próprio xixi. Quando não estava a fazer alguma coisa bizarra, gritava por horas sem parar.
Em 1975 a família conseguiu autorização do bispo de Wurzburg para realizar os exorcismos pelos quais a jovem passou nos últimos meses da sua vida. A essa altura, Anneliese já tinha sido diagnosticada como esquizofrénica, mas recurou-se a tomar os remédios prescritos. Outro detalhe importante: em 1973, "O Exorcista" foi lançado - algumas pessoas dizem que o filme pode ter influenciado o comportamento da jovem.
Sessões
O fato é que um padre e um pastor realizaram sessões de exorcismo semanalmente em Anneliese, em rituais que demoravam até quatro horas. O padre Arnold Renz disse ter identificado vários demónios no corpo da jovem, entre eles os de Lúcifer, Judas, Nero, Cain, e Adolf Hitler, que teria falado com sotaque austríaco.
Das sessões, há 42 horas de áudio gravado - dizem que quem ouve fica apavorado. As gravações revelam diálogos entre os supostos demónios, gritos, sussurros, grunhidos e palavrões. Os exorcismos geralmente chegavam ao ponto de Anneliese precisar ser acorrentada.
Em 1976, a jovem já estava visivelmente doente: magra, pálida e com pneumonia, ela ia enfraquecendo cada vez mais até que morreu no dia 1 de julho do mesmo ano. Por mais que quase 40 anos se tenham passado desde então, o assunto é evitado pelos quase 2 mil moradores da cidade até hoje.
O caso envolveu a igreja católica também, que, em 1984, pediu que o Vaticano revisasse os rituais de exorcismo com base no caso de Anneliese - um novo ritual só foi publicado em 1999. De acordo com o Vaticano, são praticados em média 350 rituais de exorcismo anualmente em todo o mundo.
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